Aspectos legais da internação em saúde mental




O artigo 4º da Lei 10.216 afirma que “a internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes”. Ou seja, a internação em saúde mental nunca deve ser a primeira opção no tratamento das pessoas que sofrem por conta de transtornos mentais, incluindo a dependência a substâncias. E a internação involuntária fica restrita às situações de risco iminente de morte para o usuário, a partir de avaliação direta de um médico e com autorização da família ou responsável legal. Seu caráter de excepcionalidade fica evidenciado na Portaria GM 2.391, de 26 de dezembro de 2002, que regulamenta o controle dessas internações e sua notificação ao Ministério Público por todos os estabelecimentos de saúde, vinculados ou não ao SUS.
Assim, são três os tipos de internação psiquiátrica definidos na legislação brasileira:
I - internação voluntária: o próprio usuário solicita ou consente com sua internação e tem o direito de pedir a qualquer momento a sua suspensão.
II - internação involuntária: acontece sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro. Nesse caso a internação deve ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando ocorrer a alta. Nesse caso, a família tem direito a pedir a suspensão da internação a qualquer momento.
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

No espírito da Lei 10.216, a internação compulsória deve ser aplicada à pessoa com transtorno mental que comete um delito, ou seja, sua aplicação está restrita às pessoas que, tendo cometido um delito, foram julgadas por esse delito e consideradas inimputáveis pela sua condição de saúde mental pelo Sistema Judiciário. Nesses casos, ao invés de cumprirem pena, essas pessoas são submetidas a uma medida de segurança. A medida de segurança traduz-se em tratamento compulsório, que pode ou não incluir internação. A modalidade do tratamento compulsório deve partir de uma avaliação completa por profissionais de saúde mental e seguir as mesmas diretrizes expostas pela Lei 10.216.
O tema da internação motivada pelo uso da droga no Brasil adquiriu um relevo sem paralelo no contexto nacional e internacional e, como vimos, não encontra suporte na legislação que orienta a Política de Saúde Mental no país. A defesa da internação para usuários de drogas, como política prioritária, particularmente quando involuntária, parte de uma premissa contraditória que tira a liberdade de adultos, crianças e adolescentes, que não cometeram delitos passíveis de prisão, para supostamente garantir sua cidadania.
O recurso à internação, seja ela voluntária, involuntária ou compulsória, não deve nem pode pretender suprir o desafio que nossa sociedade tem de garantir às pessoas fragilizadas pela droga, pelos transtornos mentais e pela miséria o direito de exercer sua cidadania.
A publicação da Portaria GM/MS nº 3088, de 26 de dezembro de 2011, veio normatizar de forma detalhada a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), instituída pelo Decreto Presidencial 7508/2011. Nela, estão descritos os principais serviços e ações que oferecem atenção psicossocial no país para todas as pessoas com sofrimento ou transtornos mentais, incluindo aqueles decorrentes do uso prejudicial de drogas.
A construção de uma rede comunitária de cuidados é fundamental para a consolidação da Reforma Psiquiátrica. A articulação em rede dos variados pontos de atenção promove a constituição de um conjunto vivo e concreto de referências capazes de acolher a pessoa em sofrimento mental. Esta rede é maior, no entanto, do que o conjunto dos serviços de saúde mental do município. Uma rede conforma-se na medida em que são permanentemente articuladas outras instituições, associações, cooperativas, pessoas e variados espaços das cidades.
Para a organização desta rede, a noção de Território é especialmente orientadora. O Território é a designação não apenas de uma área geográfica, mas das pessoas, das instituições, das redes e dos cenários nos quais se dão a vida comunitária. Assim, trabalhar no Território não equivale a trabalhar na comunidade, mas a trabalhar com os componentes, saberes e forças concretas da comunidade que propõem soluções, apresentam demandas e que podem construir objetivos comuns. Trabalhar no Território significa, assim, resgatar todos os saberes e potencialidades dos recursos da comunidade, construindo coletivamente as soluções, a multiplicidade de trocas entre as pessoas e os cuidados em saúde mental.


Fonte: Crise e Urgência em Saúde Mental - Fundamentos da atenção à crise e urgência em saúde - A Reforma Psiquiátrica e a Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras drogas: experiências e desafios.